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Entrevista com Dra. Evangelina Araújo

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Dra. Evangelina Araújo* é uma figura proeminente no campo da saúde e sustentabilidade no Brasil. Médica patologista com uma vasta formação acadêmica, ela fundou o Instituto Ar, uma organização que se tornou referência na defesa da saúde pública em questões ambientais, especialmente no combate à poluição do ar e às mudanças climáticas. Nesta entrevista, ela compartilha suas motivações, os desafios que enfrentou ao longo de sua carreira e as suas ambições para o futuro.

1. Dra. Evangelina, você tem uma formação acadêmica extensa, com passagens pela Faculdade de Medicina da USP, doutorado em Patologia e especializações em gestão de sustentabilidade e políticas em saúde. O que te motivou posteriormente a idealizar e fundar o Instituto Ar?

A minha trajetória começou em um congresso médico em 2006, quando assisti a uma palestra sobre sustentabilidade. Esse tema, que ainda estava emergindo, me despertou grande interesse. Sempre quis construir um projeto social que unisse saúde e sustentabilidade, algo que integrasse minha formação médica. Sou uma pessoa idealista e estudiosa, então decidi me aprofundar no assunto. Fiz um curso de especialização que hoje é um MBA na FGV, e fui a primeira médica a participar. Ao longo dessa jornada, percebi que o papel da saúde humana no desenvolvimento sustentável era pouco explorado e que havia um enorme potencial para atuar nessa área. Em 2008, fundamos o Instituto Saúde e Sustentabilidade, que posteriormente se tornou o Instituto Ar, com a missão de promover a saúde pública por meio de políticas e ações ambientais. Desde então, temos trabalhado intensamente para alinhar nossa atuação com as prioridades globais de saúde, como a mudança do clima, um tema que se tornou central para a Organização Mundial da Saúde.

2. O Instituto Ar desempenhou um papel fundamental na criação da Política Nacional de Qualidade do Ar. Como médica, o que te incentivou a participar do desenvolvimento de políticas públicas no tema de clima e saúde?

O que nos motivou foi a percepção de que, além de desenvolvermos conhecimento e pesquisa, precisávamos atuar ativamente na defesa de políticas públicas. Quando surgiu o projeto de lei da Política Nacional de Qualidade do Ar, liderado pelo deputado Paulo Teixeira, percebemos a importância de preencher uma lacuna nas discussões governamentais. Como médica, senti que podia trazer uma perspectiva essencial para o debate ambiental, usando meu conhecimento científico e minha experiência clínica. Ao longo de uma década, participei das discussões no CONAMA e conduzi diversas pesquisas que ajudaram a embasar essas discussões. O avanço que conseguimos na defesa da qualidade do ar está fortemente atrelado à visão de que a saúde deve ser central em políticas ambientais. Isso é algo que já vemos em outros países, e acredito que é fundamental que mais médicos se envolvam nesse processo.

3. Uma das iniciativas do Instituto Ar é o projeto 'Médicos pelo Ar Limpo'. Como ele tem contribuído para engajar médicos no enfrentamento da crise climática?

Me inspirei no movimento internacional "Doctors against Diesel" no Reino Unido para criar o "Médicos pelo Ar Limpo" aqui no Brasil. A ideia inicial era envolver a classe médica na defesa do meio ambiente, dando peso à luta por políticas públicas. Os médicos têm um papel muito influente na sociedade e podem levar essa discussão diretamente aos seus pacientes e ao público em geral. Além disso, percebemos que muitos médicos estavam ávidos por mais conhecimento sobre os impactos da crise climática na saúde e queriam se capacitar para enfrentar esses desafios, que estão cada vez mais presentes no dia a dia, com secas, queimadas e outros eventos extremos. O projeto acabou criando uma ponte entre o meio ambiente e a saúde, mostrando que essas duas áreas estão profundamente conectadas.

4. Pode nos falar sobre uma pesquisa recente conduzida pelo Instituto Ar e como ela tem ajudado a embasar a formulação de políticas e a sensibilização da população?

Uma das nossas pesquisas mais recentes foi sobre os episódios críticos de poluição do ar. Descobrimos que os níveis de concentração de poluentes no Brasil são muito desatualizados e que, na maioria das vezes, não há comunicação eficaz com a população quando esses níveis são atingidos. Nossa pesquisa comparou a situação do Brasil com a de outros países, como Estados Unidos, França e México, e mostrou que estamos atrasados na implementação de planos de ação para reduzir as emissões em momentos críticos. Em São Paulo, por exemplo, o plano existente data da década de 70. Isso ficou evidente durante as queimadas recentes em várias regiões do país, onde não houve comunicação ou ações preventivas, apesar dos níveis de poluição extremamente elevados. Nosso objetivo é pressionar por uma atualização das normas e a criação de planos de ação em todo o território nacional.

5. Quais são suas ambições e metas futuras para continuar defendendo a saúde no debate climático?

Embora o Instituto Ar já tenha uma longa história na defesa da saúde no contexto das mudanças climáticas, estamos vivendo um momento em que o impacto dessas mudanças se tornou impossível de ignorar. O ano de 2023 foi o mais quente da história, e 2024 promete ser ainda mais desafiador. As secas, queimadas e ondas de calor têm causado um impacto sem precedentes na saúde das populações mais vulneráveis. O que antes era uma previsão para o futuro agora é uma realidade. Precisamos avançar urgentemente, não só em medidas de mitigação, mas também em adaptação, e a saúde precisa estar no centro desse debate. Também estamos explorando novas tecnologias, como a inteligência artificial, e o conceito de “One Health,” que integra a saúde humana, animal e ambiental, para enfrentar as ameaças que afetam todo o planeta.


A trajetória da Dra. Evangelina Araújo é marcada pela dedicação incansável em integrar a saúde pública ao debate ambiental. Sua liderança no Instituto Ar tem sido essencial para avançar em políticas e iniciativas que colocam a saúde no centro da agenda climática.

* Evangelina Araújo utilizava anteriormente o nome Evangelina Vormittag.